Autora compartilha relatos e estratégias para lidar com desafios do diagnóstico tardio e da sobrecarga sensorial e social 3j6r4n
Içara
Casada e mãe de dois filhos, Sabrina Ogioni enfrentou uma longa jornada até compreender sua própria neurodivergência. Receber o diagnóstico de autismo na vida adulta foi, ao mesmo tempo, um alívio e um desafio. Por um lado, finalmente entendeu as dificuldades que enfrentou desde a infância. Por outro, percebeu o enorme preconceito que ainda existe em relação a pessoas autistas, especialmente mulheres que, devido à capacidade de mascaramento social, am despercebidas e frequentemente não recebem o e necessário.
Dessa experiência pessoal surgiu a motivação para escrever o livro Autismo em Mulheres Adultas, no qual compartilha relatos de outras mulheres que, como ela, receberam o diagnóstico tardio. Mais do que um depoimento, a obra oferece orientações sobre autoconhecimento, estratégias para lidar com desafios do dia a dia e formas de reduzir a sobrecarga sensorial e social. Sabrina também explora questões como a dificuldade de o a um diagnóstico adequado, a falta de profissionais especializados no espectro autista na vida adulta e a necessidade de mudanças no mercado de trabalho para acolher melhor essas mulheres.
Nesta entrevista, a autora fala sobre sua trajetória, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres autistas e as principais barreiras que ainda existem na sociedade. Ela também reflete sobre o impacto que espera causar com o livro e dá conselhos para mulheres que suspeitam estar no espectro, mas ainda não aram por uma avaliação formal. Sabrina defende que o autoconhecimento é a chave para uma vida mais leve e acredita que cada mulher autista pode encontrar um caminho para se aceitar, se fortalecer e viver com mais autonomia e bem-estar.
O que a motivou a escrever este livro?
Sabrina Ogioni: Minha motivação para escrever o livro veio da dor, quando recebi meu diagnóstico. Apesar de ar a compreender melhor o que realmente acontecia comigo e entender as razões de tantas comorbidades vividas até então, a chegada do diagnóstico foi, por um momento, um alívio. No entanto, ao compartilhar essa informação com outras pessoas, percebi o quanto a sociedade ainda tem preconceito contra pessoas neurodivergentes como eu. Notei olhares estranhos, como se procurassem algum defeito, sendo que se trata de uma condição oculta. Para mulheres como eu, que desde cedo aprendem a imitar comportamentos típicos, muitas vezes amos despercebidas aos olhos da sociedade. Isso despertou em mim uma força para mostrar ao mundo que, apesar dos nossos sofrimentos internos causados pela sobrecarga sensorial e social, continuamos sendo seres humanos, com nossas limitações, mas também com nossas genialidades e hiperfocos. Temos uma empatia sentida profundamente, ainda que nem sempre demonstrada em nossa expressão facial. Carregamos uma preocupação excessiva em parecer normais para sermos aceitas.
Como foi o processo de pesquisa para reunir as informações presentes no livro?
Pesquisei sobre mulheres que, assim como eu, receberam um diagnóstico tardio e coletei relatos sobre como foi a vida antes e depois desse momento. Também investiguei formas de vencer a procrastinação, um grande desafio na minha trajetória. Sempre tive muitas ideias, mas colocá-las em prática era difícil para mim. Quando iniciava um projeto, muitas vezes desistia antes de concluí-lo. Por isso, busquei estratégias para organizar meu tempo e lidar com imprevistos. Algumas dessas técnicas já aplico no meu dia a dia para ter mais autonomia, como manter uma agenda semanal e planejar a semana com antecedência. Isso me ajuda a evitar a ansiedade causada pela incerteza sobre o que fazer em determinado dia. No livro, também indico técnicas como o método Pomodoro, Yoga e oração como formas de aliviar a sobrecarga.
Você acredita que o diagnóstico de autismo em mulheres adultas ainda enfrenta muitos desafios?
Sim. Infelizmente, há poucos profissionais capacitados para lidar adequadamente com o assunto. No sistema público de saúde (SUS), não há neurologistas e neuropsicólogos especializados no autismo adulto. Muitas pessoas aram a vida inteira lidando com dificuldades sem um diagnóstico adequado, recebendo, muitas vezes, diagnósticos equivocados que não contribuíram para um tratamento mais assertivo. O problema não afeta apenas as mulheres, mas também os homens. Contudo, as mulheres, por sua capacidade de adaptação e mascaramento social, tendem a internalizar o sofrimento, o que leva à exaustão extrema. Isso pode causar sintomas como dores de cabeça, náuseas, vômitos, crises de choro, cansaço extremo e a necessidade de isolamento e silêncio para se recuperar.
Que tipo de impacto espera que seu livro tenha na vida das leitoras autistas?
Espero que elas percebam que não estão sozinhas, que somos muitas. Quero que o livro seja uma luz nessa caminhada pós-diagnóstico, ajudando-as a se reconhecerem e a buscarem o autoconhecimento. Cada uma deve entender o que é importante para si, refletir sobre o que gosta de fazer e se permitir ser quem realmente é, sem medo. Meu desejo é que elas se amem, se aceitem e consigam viver melhor a partir desse entendimento.
Quais são as principais dificuldades enfrentadas por mulheres autistas na vida adulta, segundo sua experiência e pesquisa?
São muitas. Mesmo após o diagnóstico, sofremos preconceito por termos aprendido, com muito esforço, a desenvolver habilidades de sobrevivência. Internamente, no entanto, ainda enfrentamos desafios, como a preocupação excessiva antes e depois de uma interação social. Ambientes com muitos estímulos sensoriais ou alta demanda podem nos desregular facilmente. No meu caso, isso pode desencadear crises de choro intensas e prolongadas. Além disso, muitas de nós recebem diagnósticos equivocados ao longo da vida, como depressão, bipolaridade, esquizofrenia, borderline, ansiedade, síndrome do pânico, TDAH, dislexia e burnout. Esses transtornos, na verdade, muitas vezes são comorbidades do próprio autismo.
Que estratégias você sugere para ajudar mulheres autistas a lidarem com os desafios do dia a dia?
O autoconhecimento é uma ferramenta poderosa para nós, mulheres autistas. Ele nos ajuda a entender quais ambientes e situações realmente valem nosso esforço, permitindo que priorizemos nosso bem-estar. Muitas de nós somos também mães atípicas, e contar com uma rede de apoio é essencial para garantir momentos de descanso e conexão consigo mesma. Ter fé em Deus e conversar com Ele também pode ser um grande e, pois Ele está sempre pronto a nos ouvir.
Como a sociedade pode melhorar a compreensão e o e para mulheres adultas no espectro autista?
É essencial garantir o o a médicos neurologistas e neuropsicólogos especializados em autismo adulto na rede pública de saúde (SUS). Além disso, é fundamental oferecer acompanhamento terapêutico focado em autoconhecimento, rigidez cognitiva e teoria da mente. No mercado de trabalho, é importante promover a inclusão de mulheres autistas, treinando empresas para receber pessoas com sensibilidades sensorial, visual, auditiva e olfativa. Também é necessário conscientizar os funcionários sobre a importância do respeito, evitando preconceito e bullying no ambiente corporativo.
Existe algum conselho que você gostaria de dar para mulheres, além de ler o livro, que suspeitam que podem estar no espectro, mas ainda não receberam um diagnóstico?
Se conhecer é essencial para viver bem. Se essa questão é importante para você, busque o diagnóstico. E, quando o obtiver, use-o para se entender, se amar e se aceitar.